Na minha sala eu tenho um menino especial.
Um menino que entrou para aquele infantário na mesma semana que eu entrei.
Naquele tempo aquele menino passava a manhã encostado à porta a chorar, andava em bicos de pés, resistia ao contacto físico, não mantinha contacto visual e não falava. Comia na cozinha (não se sentava ao pé dos outros meninos), em pé. Dava-lhe uma colher de sopa, ele ia passear e depois vinha comer mais outra. Eu, acabadinha de sair da faculdade, não sabia bem por onde começar.
Aos poucos, ele deixou-me entrar no seu mundo.
Consegui que ele parasse de chorar, que ele olhasse para mim e que sorrisse... Agarrou-se de tal modo a mim que dependia de mim para tudo. Então, aos poucos, fui-me afastando...
Depois vieram as nossas conquistas: desce as escadas sozinho, come a sopa e a comida sozinho, brinca comigo ou com os amigos, deixou a chupeta, não usa fralda, olha para mim ou para quem o chamar, despe a bata, descalça-se...só ainda não fala.
Cada vez que estamos os dois na galhofa sinto que sou alguém muito especial...para ele! Aquele olhar tem um significado especial, aquele sorriso enche-me a alma! Diz a mãe, a terapeuta e a psicóloga: "Ele adora-a" "Para ele, é uma pessoa muito especial".
E o meu coração vai-se partir quando ele sair no final do ano para ir para a escola...eu sei o que ele vai passar...as dificuldades que vai sentir...a falta que lhe vou fazer...as saudades que vou ter...
Foram três anos juntos. Eu cresci com ele e ele comigo.
Aquele menino é autista e é um menino muito especial...